Desabilitado
Não sei dirigir
sei apenas fugir...
do impacto
do poste solitário
ou do muro pichado
de recentes
inocentes
indecentes
declarações
gravadas
apressadas
em tintas ofuscantes
ou fosforescentes
ainda misturadas com o sangue quente
do pulso aberto
e da mão esfolada
ou antigas confissões
carcomidas
em musgos
muitas
com prazos de validade
já vencidas
óleos queimados
Não sei dirigir um automóvel
mão trêmulas
pés de chumbo
cabeça nas nuvens
olhos nas estrelas
lubrificadas
pavor
dessa estrutura mecânica
mexendo
com a minha vida orgânica
sangue e gasolina
aditivos extras
um óculos Ray Ban
a mulher gato
o chapéu Bardhal
Tudo vai bem
tudo vai mal
baterias descarregadas
black out
em comandos elétricos
lataria
remaquiada
em batidas
feridas metálicas
pneumáticos traumáticos
ruas estreitas
garganta seca
rodovias amplas
pedágios
presságios
Ausência de reflexos
Semáforos
olhos vermelhos de sono
olhos amarelos de medo
olhos verdes de espanto
Pintor dautônico
em estradas encobertas
por melancólicas neblinas
Radares
excessos
bafômetros
provas contra mim mesmo
contra-mão
confusão de marchas
Mãos cheias de graxa
Não sei dirigir
sei apenas fugir...
dos buracos
das crateras
do asfalto que ferve
e se dissolve
como um chiclete negro
tão inconveniente
grudento
nojento
na língua de borracha
dentro das solas
dos sapatos sedentos
de novos rumos
pneus carecas
cavalos de pau
transtornados
tropel de animais
que perderam
os seus naturais espaços
trânsito selvagem
e o fantasma ágil
de um vigilante rodoviário
Não sei dirigir
freio
quando deveria acelerar
esqueço de trocar o óleo
de olhar a reserva
de combustível
Nem sei ao menos onde estou
culpo o guia de ruas desatualizado
e o GPS alucinado
só me indica desvios
impossível continuar
tanque vazio
o posto de combustível
está tão longe
mais do que os meus pensamentos
Não sei dirigir
me enrolo todo
até para colocar
o cinto de segurança
me confundo
piso fundo
tento ligar o para-brisas...
vidros sujos de lágrimas
e cinzas
perdi o para-choque
no meio do caminho...
e a antena
sumiu dentro de uma nuvem
de gafanhotos
esqueci o estepe
e o macaco fugiu
nas cercanias da rodovia
paro no acostamento
e lamento
o isolamento
que uma simples viagem
possa causar
não sei dirigir
sei apenas fugir...
e admirar
quem pode controlar
essas máquinas voadoras
blindadas com os seus olhos
escuros fumê
ou abertos conversíveis
sem receios de ataques
de ventos e devaneios possíveis
sem temores de sequestros
calculados ou relâmpagos
sem medo de colidir
com uma diligência
vinda do velho Oeste
Não buzine
os seus gritos
estridentes
agora
estou ouvindo uma canção de amor
a la Angela Ro Ro
Não sei dirigir
eu só sei fugir
barulho de motor
Posso infringir
todas as leis de trânsito
todas as leis da física
todos os mistérios
do tempo e do espaço
Eta Einstein Relatividade
Não quero ver o seu rosto de rancor
no espelho do meu retrovisor
Pode me ultrapassar
com toda a sua pressa de viver
a minha há muito tempo
está na oficina
esperando repor
peças originais
Carlos Gutierrez
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