quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Largo Tudo

Modigliane
Largo
Largo tudo
o café encorpado na xícara frágil
o aroma forte no ar
o pires escorrido
a mancha consistente
do chantilly em forma de suspiro
o cigarro Camel no cinzeiro negro
a brasa vermelha e pálida
o brilho reduzido
o isqueiro Zippo de frio alumínio
com o desenho de uma águia adormecida
nele inscrustrada
o guardanapo amassado
e encolhido de remorsos
pela minha boca
cheia de formigas silenciosas
e devastadoras
Largo
largo tudo
o guarda-chuva
quase sempre esquecido
pendurado no balcão de verniz
e o respingo das horas
já secas pelo tempo
o livro pela metade
folhas mortas
com todas as suas personagens
e seus dramas e tramas
e futuras surpresas
Largo
largo tudo
as cartas sobre a mesa
os blefes e mãos cheias
o cachimbo de Cezánne no canto dos lábios amargos
as receitas os remédios
as recomendações médicas
toda sorte de prevenções
e me atiro Chesney
e giro o meu cérebro
no sentido do coração
Largo
largo tudo
as máscaras e os escudos
a barra de chocolate crocante
ainda coberta pelo invólucro brilhante
já rasgado pelos dentes
afiados de desejos
Largo
largo tudo
a musica que ouço pelo meio
deixo as baquetas sem mãos
os pratos girarem solitários
as cordas retesas
os teclados imóveis
os sopros dos metais
concentrados em tubos de silencio
Largo
largo tudo
e ofereço-lhe as minhas mãos
livres
de qualquer compromisso
de metais e cacoetes
de tempos medidos
minhas mãos
meus dedos estendidos
de desejos
de passeios
de chuvas de pétalas
de registros amarelecidos
de um velho lambe-lambe
apoiado em frágeis muletas
e recados
de um ressuscitado realejo
que o periquito da sorte
reencontrou no tempo.

Um comentário:

Camila Costa disse...

olá! respondendo o teu recado do orkut( já que lá não consegui, pq sou "não sou amiga"): pelo que eu vi das tuas comunidades, parece que até mais que isso... :)

és artista plástico?

ah, e gostei muito do blog!


saludos!

Salve