Pela Gloria
Fernanda Rodante
( mesmo no despejo das horas...)
Não tenho mais quarto!
janela!
sôssego!
contemplar de estrelas!
revoadas de pássaros!
espaço
para dormir
e sonhar
e também vígilia
- noites sem dormir -
furtos noturnos na geladeira.
Não tenho mais guarda-roupas!
Um jeans Wrangler
dorme agora azul desbotado
sobre o chão estatelado.
Uma camiseta pólo vermelha
com o seu falso jacaré de emblema
abraça um desgastado par de tênis
e um sómbrio guarda-chuva negro
se esconde,
retorce as suas varetas
num canto qualquer da parede
com sêde de chuva.
Não tenho mais gavetas!
tudo agora se acomoda em improvisos
em sarcásticos risos
flagrados nos cantos dos lábios.
O vidro vazio de perfume
que há muito tempo
já se dissipou
rola sobre o piso
sem direção.
Os cartões postais espalhados
- dispersas viagens quase sem lembranças -
As cartas de amor vencidas!
O Bandaid que já não cola, não adere
e nem sara mais as feridas do tempo.
Não tenho mais escrivaninha!
Uma linha sequer de consolo.
Acabou-se a tinta!
o mata-borrão,
os papéis de rascunhos
e os manuscritos esquecidos
em uma pasta qualquer.
A desordem me atordoa,
enquanto a minha imaginação voa...
e te procura doce amor!
Onde tu se encontras
dentro do invólucro de alumínio
do chocolate que comprei
no mais recente domingo,
de malas prontas para partir ou voltar,
em qual cidade, em que rua,
em qual recinto, em qual móvel?
Eu te sinto apenas no ar...
Olhando o teto do quarto,
concentrado no giro frenético
de um inseto compulsivo
em volta da lâmpada.
Ouço um barulho!
é uma paisagem que caiu da parede.
A moldura que se fracionou e
juntou-se aos outros detritos!
Ah! doce amor
eu te sinto apenas no ar...que eu respiro
Te engulo agora
ventríloquo
junto com o café
todo este aroma
que desperta os sentidos...
te engulo agora
com a providencial aspirina...
para suportar a naftalina
que um velho guarda-roupa deixou para trás.
Preciso de roupas novas!
de tuas mãos delicadas
retirando as etiquetas ainda coladas,
tecendo carinhos sobre elas
até descobrir a minha carente pele.
Estou ao relento!
sofrendo as rajadas de vento
- toda a sua fúria -
Preciso tanto do teu calor!
Onde tu te encontras doce amor?
No despejo das horas...
Um comentário:
Triste retrato da solidão, melancolia... e no entanto belo. A arte tem dessas coisas.
PAZ e LUZ
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