sábado, 26 de setembro de 2009

Melhor Hora

Esta é a melhor hora
para a bebida sobre a mesa
o cigarro entre os
lábios e o tempo brincando nas mãos.
Esta parece ser um boa hora
pra fumaça densa desenhar faces
pra imagem ser o leme na viagem
e a rota ter um destino final.
Esta é a melhor hora
para deixar a janela aberta
para o coração bater forte
para o travesseiro acolher o roer das unhas
para o descanso que ainda
espera uma revoada de sonhos.
Parece ser a hora
meia noite
noite
madrugada derretida
É a melhor hora
das luzes apagadas
a cama desarrumada,
os livros já guardados
e os sinos repousados.
É quase um sorriso
não fosse o acaso


Desirée Gomes

FRISSON

Causa frisson
na lente apurada
no filtro mágico
da câmera fotográfica
de Henri Cartier-Bresson
a sua encantadora imagem
mais do que imagem
transparência
emergência de registro
prioridade de memória
pintura eterna
Até o pesado tripé
trepida
quando a focaliza
e se desorienta em tantos encantos
Bresson
obcecado pela beleza
com certeza
passaria horas e horas
tentando encontrar
o perfeito enquadramento
algo que pudesse
lhe revelar
toda a sua beleza
por fora
e por dentro
e se conseguisse
revelar o negativo
no mergulho
do quarto escuro
encontraria
a verdadeota luz
do fim do túnel
Seria mais do que um simples retrato
seria um relato mudo
contemplativo de absoluto silencio
para externar com os olhos
o mais profundo amor!


Carlos Gutierrez

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A CASA É SUA

A Casa é Sua
A casa é sua
Arnaldo Antunes / Ortinho

não me falta cadeira
não me falta sofá
só falta você sentada na sala
só falta você estar

não me falta parede
e nela uma porta pra você entrar
não me falta tapete
só falta o seu pé descalço pra pisar

não me falta cama
só falta você deitar
não me falta o sol da manhã
só falta você acordar

pra as janelas se abrirem pra mim
e o vento brincar no quintal
embalando as flores do jardim
balançando as cores no varal

a casa é sua
por que não chega agora?
até o teto tá de ponta-cabeça porque você demora

a casa é sua
por que não chega logo?
nem o prego aguenta mais o peso desse relógio

não me falta banheiro quarto
abajur, sala de jantar
não me falta cozinha
só falta a campainha tocar

não me falta cachorro
uivando só porque você não está
parece até que está pedindo socorro
como tudo aqui nesse lugar

não me falta casa
só falta ela ser um lar
não me falta o tempo que passa
só não dá mais para tanto esperar

para os pássaros voltarem a cantar
e a nuvem desenhar um coração flechado
para o chão voltar a se deitar
e a chuva batucar no telhado

a casa é sua
por que não chega agora?
até o teto tá de ponta-cabeça porque você demora

a casa é sua
por que não chega logo?
nem o prego aguenta mais o peso desse relógio


© Rosa Celeste Editora (Universal)

BR-RC7-09-00002

Ficha Técnica da Faixa
Arnaldo Antunes: Voz
Edgard Scandurra: Guitarra, violão de 12 cordas e vocais
Betão Aguiar: Baixo
Chico Salém: Violão, guitarra e vocal
Marcelo Jeneci: Órgão, piano, bateria eletrônica, palmas e vocais
Curumin: Bateria, percussão e vocais

Um Dia Cheio

Hoje eu tive um dia cheio, baby
Acordei sob um sol preguiçoso
no meio de um sonho...
onde só consegui resvalar nas pontas dos teus dedos
e na hora do beijo
de tocar os teus lábios
um intruso relâmpago
abalou o flutuante cenário.
Acordei
meio zonzo
meio sangue frio
meio incendiário.
Fiz o café apressado...
quase troquei o açúcar pelo sal.
Estou cansado!
perguntei a um amargo cream crakers
que dia é hoje mesmo?
enquanto o leite no fogo esquecido
derramava.
Hoje eu tive um dia cheio
de rostos feios
de atos estúpidos
de diálogos medíocres
coalhados
de projetos inúteis de viagens
de pensamentos
que o meu cérebro lento
não conseguiu transportar!
Hoje eu tive um dia cheio
de olhares atravessados
de cobranças e posturas
Quando eu vou poder
ser eu mesmo...
abrir o meu leque
e mostrar os meus extremos?
Hoje eu tive um dia cheio...
horas infláveis
e porisso nas derradeiras horas
resolvi esvaziar
este balão cheio e sem direção
esta bola de bilhar maciça de marfim
que rola...rola...sem fim...
E prá esvaziar o meu ódio,
a minha revolta
eu procurei o teu profundo olhar!


Carlos Gutierrez

terça-feira, 22 de setembro de 2009

IÊ-IÊ-IÊ


Iê iê iê por Arnaldo Antunes
Iê iê iê é uma palavra que não está no dicionário, mas todo mundo sabe o que significa. Música jovem de uma época, com seu repertório de timbres, trejeitos, colares, carros e cabelos, o termo traduz um estilo que parece ter ficado parado no tempo, como se fosse um nome que se dava ao rock'n roll antes dele se chamar rock'n roll. Uma espécie de proto-rock, que se desdobrou em muitos afluentes de tendências e fusões.

Citado pelos Beatles em She Loves You (yeah yeah yeah) e por Serge Gainsbourg em Chez Les Ye Ye Ye, a expressão caiu na boca dos brasileiros para nomear a música da Jovem Guarda, motivando, na época, entre as mais diversas reações, os ternos versos de Adoniran Barbosa: "Eu gosto dos meninos desse tal de iê iê iê / Porque com eles canta a voz do povo / E eu que já fui uma brasa / Se assoprar eu posso acender de novo".

A decisão de chamar esse disco de IÊ IÊ IÊ veio antes da sua feitura. Eu, que, em geral, decido os títulos só depois dos trabalhos concluídos, sabia dessa vez, desde o início, que queria fazer um disco de iê iê iê, chamado IÊ IÊ IÊ. Um pouco pelo sabor das coisas que vinha compondo, um pouco pelo desejo de voltar a uma sonoridade mais dançante, depois de dois discos (um de estúdio, QUALQUER, e outro ao vivo, também registrado em DVD, AO VIVO NO ESTÚDIO) gravados com uma formação mais leve, apenas com instrumentos de cordas (violões, guitarras, baixo) e piano (substituído no AO VIVO por teclados ou sanfona); sem bateria nem qualquer instrumento de percussão.

Um tanto por temperamento, mas também por herança tropicalista, sempre fiz discos marcados pela diversidade e pela mistura, livres da idéia de "gênero musical". Talvez por isso mesmo (pelo desafio de fazer algo diferente), quis que essa minha volta a um som de banda com bateria, tivesse uma face mais coesa.

Cheguei assim ao desejo de fazer um disco de gênero, com possíveis variações rítmicas, mas mantendo um campo de referências no que podemos chamar de iê iê iê. Não por saudosismo, mas pelo anseio de revitalizar o estilo, numa linguagem mais contemporânea e com letras que tentam incorporar novas questões e pontos de vista a ele.

As referências são muitas: Surf Music, Jovem Guarda, a primeira fase dos Beatles, trilhas dos filmes de faroeste, o twist, Rita Pavone, programas de auditório e todo um repertório da cultura pop que se traduz em canções contagiantes e de apelo direto.

Gosto da idéia de dar a um disco o nome de um gênero. Lembro do Rock'n' Roll, de John Lennon, que me marcou fortemente. Mas, ao passo em que ele abordava uma modalidade musical que continuou existindo, mudando e se atualizando, seu repertório apresentava clássicos, relidos com emoção e verdade na voz de Lennon.

Já IÊ IÊ IÊ não é um álbum de releituras, mas de canções inéditas, a maior parte delas feita recentemente (por mim, com alguns parceiros como Marisa Monte, Carlinhos Brown, Liminha, Paulo Miklos, Branco Mello, Ortinho, Betão Aguiar e Marcelo Jeneci, entre outros), dentro desse estilo, ou ao menos concebidas como algo próximo a ele, nas melodias, timbres, ritmos e vocais.

Para amarrar ainda mais o conceito, compus, com Marisa Monte e Carlinhos Brown, a faixa-título, que abre o disco apresentando um refrão que repete a expressão "iê iê iê".

Gravamos todo o disco com uma mesma banda, formada pelos músicos que já vinham me acompanhando nos trabalhos anteriores --Chico Salem (violão e guitarra), Betão Aguiar (baixo) e Marcelo Jeneci (teclados) -- somados a Edgard Scandurra na guitarra e Curumim na bateria. Todos também responsáveis pelos vocais, que têm presença marcante no disco. Para produzir, convidei Fernando Catatau, cujo trabalho na banda Cidadão Instigado tem muita afinidade com o tipo de sonoridade e timbragem que eu estava buscando. Catatau deu sugestões muito originais para o som e contribuiu inventivamente para os arranjos, além de tocar algumas guitarras e participar dos coros.

Não poderia deixar de mencionar a importância do competente Yuri Kalil, nosso engenheiro de gravação e mixagem, que também soube, em seu estúdio Totem, criar um ambiente onde nos sentíssemos inteiramente em casa. E de outros músicos que participaram especialmente em algumas faixas: Régis Damasceno, Clayton Martin, Lana Beauty e Michele Abu.

Para mim, esse disco tem ainda um gosto de retorno a algo do início de minha carreira, quando formamos os Titãs, que nos dois primeiros anos de existência tinham o nome de "Titãs do Iê Iê".

Arnaldo Antunes
maio de 2009

ps: Já tinha terminado de escrever este release quando soube que Erasmo Carlos está lançando um disco novo, chamado "Rock'n Roll" (como o de John Lennon, que eu cito no texto). Achei uma coincidência simbolicamente interessante o fato dele, que começou sua carreira nos anos 60, dentro do que chamavam de iê iê iê, lançar esse disco na mesma época em que eu, que comecei nos 80, dentro do que chamavam de rock, esteja lançando meu IÊ IÊ IÊ.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Canção Adolescente

Eu quis fazer uma canção adolescente
que não fôsse aborrecente              
que resolvesse todo o QUIZ           
e todos os XIS dos problemas      
e preservasse o lado inocente de viver
Não imaginava que fôsse tão difícil 
como encontrar a figurinha carimbada
do álbum ilustrado                         
ou solucionar o cubo mágico       
Fazê-la sem sê-la tão conivente
a interesses tão mesquinhamente adultos
- malditos vultos - estraga-prazeres      

Eu quis fazer uma canção adolescente
com a cara de fracasso de Charlie Brown
e as peripécias de Snoopy                  
e a elasticidade do estilingue          
que só atinge o canto dos pássaros
e assim abafar os resmungos de Marcie

com doces colibris beijos               
e extirpar os fungos com novas flores
e fazer o amor sobrepor o bolor do rancor
no vapor de uma réplica de locomotiva  
emotiva a todos os trilhos               
Eu quis trazer de volta                
na revolta desses tempos duros e cruéis
a algazarra das matinés                      
quando assistia pela oitava vez consecutiva
os Reis do Iê-Iê-Iê                                    
Eu quis lembrar todos os volteios          
todos as opções                                 
enquanto olhava os encaixes          
do meu canivete de escoteiro     
todos os ensaios                       
para tentar tocar os seus dedos
Eu quis ser natural como um banho de rio                
como a água que jorra de uma cachoeira
Eu quis lhe surpreender como uma chuva de verão                                              
tão natural qual o esvoaçar da crina de um cavalo                                  
no resvalo do vento vâssalo
Eu quis girar o carrossel 
e ser o corcel que você escolheu
para flutuar os seus sonhos     
Eu quis fazer uma cançaõ adolescente
despreocupada e inconsequente       
sem justas causas e prováveis efeitos
apenas o encanto efêmero de uma brincadeira                         
Uma canção de acordes básicos
e doces melodias               
Uma canção fácil que virasse o dia
seguisse a noite em sonho ou vígilia
e no assobio do banho matinal     
que se integrasse ao cereal        
ao espêsso mel e à mordida da maçã
atraentemente vermelha            
que fôsse absorvida por um sorriso
que trouxesse em um canto da boca
o lado erótico e sensual             
e no outro canto o lado emotivo e de espanto                                     
de quem se prepara para o primeiro beijo
Um som que pulasse como um grilo
e a tocasse como o bote fatal de uma serpente                                    
Uma canção em que eu pudesse vê-la
no céu da minha imaginaçaõ
e gravá-la para sempre     
no Jinglebox do meu coração...
e a ficha se viciasse nessa canção


Carlos Gutierrez




inspirada no recente CD IÊ-IÊ-IÊ
de Arnaldo Antunes
Gravadora Rosa Celeste

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Pelas Ruas de São Paulo

Cor pálida. Olhos piscador

ofuscados pela velhice bolorenta
nos cartazes que rejeita com verbos floreados,
uma luta lenta
nas palavras doces os lábios envenenados.
Massa flutuante tingiu de preto
a beterraba sibilante.
Estrutura caluda, indício ditatorial,
galhofa, diminui
embarca no canal triangular,
patina na desenvoltura
enrosca no final de cada dia,
desembarca, entorta e chia.
Bordão desafinado ... blasfêmias
em tons compassados.


Queima mulambos a cerca de mil anos !


Congela a opinião, finta a discussão
- empilha desarranjos
perde o balanço para anjos e marmanjos.
É de contra mão
entra no canal de lado sem bordão
patina a três por quatro sem trato e afinação.
Sofre, empilha, precisa
pega o analista, percorre um love story
dá meia volta ... o primeiro porre
com a água benta se resfria
falida se lamenta - foi uma ducha fria !




(Cibele Camargo - do Livro "A Vida Além da Sua")

http://cibelecamargo.blogspot.com/

FACES

Caras e bocas
Olhares fugazes e profundos
Olhar de relance
que promete romance
Olhar tão profundo
que revela as maravilhas do mundo
Suas faces
múltiplas
feminino diamante
de frente
de perfil
ou de turbante
me instigam
todo instante
em sua presença
ou em sua lembrança

Faces
sérias
divertidas
o que lhe difere das outras?
o seu doce mistério
o licor que escorre da sua boca
o cabelo chanel
que emoldura sem chapéu
o seu lindo rosto
pele véu
que reflete no papel
onde eu escrevo os meus poemas
que são mais seus
com o correr do tempo

Faces
encantos
eu lhe sonhei tanto
que um dia você apareceu
sem disfarçes
usando roupas amplas
ou justas
sutis decotes
echarpes sobre a nuca
E me seduziu!


Carlos Gutierrez


dedicado a Coco Chanel

sábado, 12 de setembro de 2009

FIM

Vazio...
roendo, rangendo os dentes,
contentes,
exibindo pingentes pra nos demolir.
A loucura goteja,
A cada sonho que almeja,
A cada fruto na bandeja
Um egoísta à sorrir.
São poças d'água,
partículas do mar
residente em mim.
A ilusão de iludir-me.
Alimentar os monstros apenas com bossa;
A morte é para fracos como eu.
Mas não é pra vivos;
Pretendo viver.
Observar a cegueira voluntária,
consumir os risos inconsequentes,
as margens dos rios alheios.
consumir o Sol, a Lua.
Os dois, num só.
Estrelas mortas, vivendo alí.
São corpos quentes,
mas gelados de morte.
Gelados de escuridão.
Floresta de pedra, de aço...
Dormitório sagrado de meus olhos.


BRUNA MORAES

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Possível

O que eu pude
Bolinhas de gude
Balinhas de grude
Bolinhos de chuva
cigarrinhos de chocolate
um almanaque
estalando novo
um pretenso cavanhaque
um projeto de bigode
uma mágica
um fake de Mandraque
uma cartola cheia de flores
um coelho com asas de borboleta
fiz tudo que eu pude
o concreto e o que ilude
cartas perfumadas
baforadas de incensos
rosas furtadas
de um quintal de cachorro bravo
olhares opacos de medo
noites em claro
fronhas molhadas de beijos
travesseiros dublês do seu corpo
fiz tudo o que eu pude
e faria tudo novamente outro vez
mesmo se o tempo fôsse mais rude
faria tudo !


Carlos Gutierrez

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Flashes

Os zumbidos nos ouvidos
de um caso mal resolvido
e lamentos frequentes
O ranger insistente de portas
de idas voltas e revoltas
o trinco conivente
de diferentes dedos e medos
a fechadura que devassa
móveis segredos
e faz trapaças
com as nossas apressadas visões
Um caramelo sincero de açúcar
-generosa dose de glicose -
em sua boca amarga
de overdose de cólera
amarga como uma bituca
velha de cigarro
espremida entre a guia
e o meio calvo pneu
de um carro obsoleto
o cheiro acre
do massacre dos ares condenados
por resmungos e vírus propagáveis
e incontroláveis
o Sol refletido e abatido
em seus óculos escuros e exaltados
que pulam e desvendam os meus muros
e rompem os meus lacres
um olhar que desnuda
os meus camuflados desejos
a pedra de gelo
que sufoca e apaga
o incêndio concentrado
o verso vândalo
que desmorona um poema todo
um esqueleto de guarda-chuva
retorcido numa tempestade absurda
desprezado n'um canto de uma rua escura
de pernas metálicas para cima
com a chuva encolhida
em sua negra anágua impermeável
a lanterna acesa e desorientada
que o guarda noturno esqueceu
depois de uma sorrateira escapada
o alarme intermitente
de um caixa eletrônico violado...


Carlos Gutierrez

POE...NCONTRO

Posso sentar e esperar o poema batendo a porta
É bom, enquanto isso olho pela janela
Não que a paisagem esteja diferente, ao contrário
Fielmente igual a de sempre
Mas a brisa que bate me presenteia com olhos diferentes
Por eles posso escolher as cores, desenhos, rostos e lugares
Fico entre a noite da Lapa e a manhã siberiana
A avenida barulhenta e a trilha acidentada,
Mas quero mesmo os cassinos de Vegas
ou calçadas da Augusta.
Pensei em segurar os ponteiros do relógio,
o tempo!
Não parece tão gentil comigo.
Que seja, que venha..
Se a madrugada me atirar a cama
querendo me pôr a assistir sonhos,
Entre pela porta quase aberta,
se junte ao meu travesseiro
Iremos juntos aos cassinos e calçadas,
Vista seu terno risca de giz,
abra a champagne e acenda o charuto
Teremos tempo para um can-can
ou bossa nova
Se preferir o quarto, dispa-se do simbolismo e
Acorde-me!
com o beijo apaixonado!


Desirée Gomes

terça-feira, 8 de setembro de 2009

FOLHAS

Folhas






Desci as escadas me apoiando no corrimão, insônia e medo rodaram o quarto, rastros do passado, pavor do futuro.

Cheguei à cozinha com passos lentos, pessoas nessa hora da manhã eu dispenso.

Frutas, bolos, pães e uma jarra de suco. Queria encontrar a fome,mas até ela fugiu.

Houve um tempo que minha casa era festiva, almoços, alegrias, brilhos e músicas. Agora o único som que escuto vem da caixinha de música,onde a bailarina solitária dança para os deuses.

No quintal o pé de aroeira, sempre lindo e invencível. Espadas de São Jorge ao redor do jardim.Sinto o cheiro daquelas plantas sagradas,que me protegem.Um sorriso fraterno escapa da minha boca,minha feição muda,quero contemplar mais uma vez aquele lugar de pureza intocável.

Eu era uma criança ainda e tinha uns dez ou quinze vasinhos de plantas, todas elas tinham nomes e como boa conselheira, eu sentava e ficava horas a fio conversando com elas.

Amava a minha avenca, acho que Caio Fernando Abreu também. Para quem conhece sua obra certamente lembra do texto lindo que ele escreveu “Para uma avenca partindo”.

Voltando á minha ocupação infantil, que era aconselhar as plantas,desabafar e dar nomes á elas, acho que realizei bem meu papel. Elas sabiam tudo de mim,das alegrias ás tristezas,era uma espécie de psicanálise.

Desabafos imensos sentada na cadeirinha, e elas poderiam fazer o quê?Mesmo se não estivessem com vontade, tinha que me escutar, desde pequena eu já usava a cura pela fala.

Eu tenho certeza que plantas escutam a gente, muitas pessoas possuem teorias, portanto a minha é essa.

Desviei um pouco o foco do início do texto, mas era preciso falar da minha amizade com o verde e a seiva.

Casa festiva, mesa farta, tudo girava em torno das risadas, promessas de vida e explosões de entusiasmos.

Brinquedos espalhados pela sala e pela mesa da cozinha, porque eu fazia questão de mostrar o quebra-cabeça enorme, daqueles que levam dias para montar, lembram?Pois é, como filha única certamente eu tive.

Engraçado, mas nenhum brinquedo substituía minha obsessão pela televisão. Era como seu morasse lá dentro,meu mundo era um programa infantil.

Fecho os olhos e lembro como se fosse hoje,acho que não nasci do ventre da minha mãe, mas pulei da televisão para a sala da minha casa e não consegui voltar. Minha mãe com vergonha não quis me contar,mas um dia eu descubro..

Preciso ir, agora fome apareceu. Não quis revelar de imediato,mas é que ela brinca também neste jardim,ficou amiga das abelhinhas que ás vezes fazem piquenique debaixo da roseira e se lambuzam de mel.

A mesa já está posta, mamãe sempre muito rígida com horários, uma disciplina admirável.

Ainda tenho a manhã para buscas literárias, tarde com bolinho de chuva e as estrelas fiéis que piscam pra mim quando desejo delírios e palco.


JULIANA SFAIR

http://julianasfair.zip.net/

domingo, 6 de setembro de 2009

CRAVO

Seja uma flor ou um instrumento
ou os sons escondidos
entre as pétalas vermelhas
ou o perfume extraído nas cordas
escondidas dentro de um tampo decorado
Seja um motivo convincente
para um  coração apaixonado
Seja cravo!
somente para os dedos delicados
de mãos que sabem cometer carinhos
que não temem os espinhos
Seja cravo em instrumento ou em flor
que jamais é percurtido
e sim beliscado por um beija-flor
como a saudade em um fado
como o amor é louvado
em uma sonata de Bach!



Carlos Gutierrez

sábado, 5 de setembro de 2009

BANDIDA

Bandida
por que você não me tomou
de assalto ainda?
será que eu não valho
a sua investida
Quero lhe entregar tudo:
carteira trocados moedas
documentoss crachás
chaves tolos escudos
até o bandaid da minha ferida
Bandida
de face limpa
cara de pau
encanto de menina
olhar sensual
e voz doce e enfática
face limpa
e olhos declarados
mira o meu coração culpado
mas sem remorsos
de lhe amar tanto
Quero entregar todo o meu ser
até os meus sonhos
que no mundo real ainda
eu não pude converter
Bandida
desejo ser mais um prá sua coleção
daqueles que não esboçaram
nenhuma reação
quando você solapa
rapa tudo!
deixa de calças na mão
sem pena alguma
Bandida
você têm projetos melhores
planos mais ousados
não vai se ocupar
de alguém sem vintém
sem rosto estampado
na coluna social
do influente jornal diário
Bandida
sei dos seus ardis e ciladas
das suas mentiras e intrigas
mas eu como um galo de briga
cego giro tonto
à sua volta
na arena serena da madrugada
Bandida
de olhos e face mascarados
você de certa forma já me furtou
todo o tempo que o meu coração
ficou disparado
atirando para todos os lados
na esperança de receber
a sua recompensa
a prensa nos muros
o susto sobre os meus olhos
o tremor em minhas pernas
o seu domínio que eu tanto quero
Bandida
Gaturna
que prefere as horas noturnas
para agir
só com a lua de testemunha
Larápia
de escapulidas rápidas
espero o seu assédio
o seu veneno o seu remédio
não ser o tédio de um refém!


Carlos Gutierrez

Busca

Procuro...
Na lucidez ou na loucura
na esquina da avenida iluminada
da Times Square
Atropelo a Taxi Driver
Splash!
Cruzo com as gangues de New York
mas fujo ileso
ao menos aqui em terra firme
no concreto drástico
porque do alto do Empire State
vejo o King Kong enfurecido
com o seu novo habitat
esmurrando ciúmes
pela sua sedutora domadora
Sinto então todo o peso da lenda
que abala estruturas
faz Gothan City estremecer
e põe em xeque todos os cálculos
Uma paixão avassaladora!
a nova pétrea identidade
Despenca das avencas de nuvens
mais Batman's do céu!
Procuro...
algo mais tranquilo
algo que não forjem esquilos
uma rua escuro n'um gueto de Harley
um lugar raro nada visível
que eu possa mostrar o meu eu profundo
a minha alma coringa
cercada de trevas em plena selva de pedras...procuro...
Procuro...
Estou exausto!
A verdade é que eu quero mesmo o seu abraço...procuro...p...r...o...c...u...r...o....
a sua cintura mais valiosa e delicada
que um vaso de porcelana chinês
disputado avidamente n'um leilão da Sotheby's...procuro...n'um jardim...
um banco para descansar em Manhatan
de prefêrencia o mesmo de Woody
e observar as flores uma a uma
e quem sabe eu possa lhe Monet encontrar e explicar Allen e além de Woody como eu pude amar assim tanto você e ainda posso muito mais...
mais do que um gorila é capaz!

Carlos Gutierrez

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Mais uma vez, mais uma voz

A Poesia de Ana Terra


Falando de amor, mais uma vez, mais uma voz
Esqueço aquilo tudo que não sabia tão de cor
Eu não sei de nada, certas horas sei de tudo
Quando as pessoas se falam, as palavras são escudos
Eu não se de nada, certas horas sei de tudo
Quando as pessoas se calam, nascem flores ou muros
Mas quando a gente se olha
Mesmo por um segundo
É a coisa mais doce
Que acontece no mundo
É o amor mais tranqüilo, a lucidez da
loucura
Que nos separa um do outro em permanente tortura
Chegou cedo demais para as nossas desilusões
Chegou perto demais dos nossos corações
É tão forte e sereno
Tão sem razão, sem maldade
De tanto a gente esperar, parece que chegou tarde
De tanto a gente evitar, parece que ficou forte
De tanto a gente esconder, parece que nunca morre

Ana Terra

Aquele Cara

Quem é aquele cara
que anda ziguezagueando
pelas ruas e calçadas
cantarolando
velhas e renovadas baladas de amor
Parece estar sempre apaixonado
desligado de tudo
focado em uma imagem
perdida nos ares?
Quem é aquele cara
que passa por lojas e bares
e atreve alguns olhares
mas logo retorna `a sua miragem
Com certeza é alguém que crê em seus sonhos
e empreende no mesmo momento
tantas viagens
Quem é aquele cara
que dispara tantos versos
nas múltiplas faces
de um rosto
que só ele consegue interpretar?
Que é aquele cara
que anda sempre só
que bate o pó do moleton
e deixa a jaqueta sempre relaxada
aberta como se esperasse abrigar alguém
para oferecer o abraço mais longo possível
o abraço definitivo
para selar um amor
tão irresistível?
Quem é esse cara
esse andarilho
que truque é esse
de parecer que anda dentro de um conversível
com o capô sempre aberto?
que truque é esse
de parecer que voa sobre um tapete mágico
e faz florescer um deserto?
Seria a lâmpada de Aladim....
claro que não....
apenas o clarão de um amor sem fim...
Quem é esse cara enfim
que mergulha em seu olhar?


Carlos Gutierrez

POES..SÊNCIA

Saudosamente vou fugir, para um jardim
meu, seu, seja com flores amassadas
ou pálidas cores sem colibrí.
Na bolsa levarei falas macias aos lábios
vertigem aos olhares desconfiados
disfarces recém colhidos.
Eu lhe darei flores...
Os muros abrigam jatos de tintas a lhe gritar
Levita a essência caçada por sobre minha janela
onde debruçados meus ouvidos esperam
Esperam ouvir sussurrado o seu doce paladar
as gotas de carinho a infiltrar
na película monocromática
Eu lhe darei flores...
de uniforme a xadrez,
desbotadas cores vívidas
No seu cabelo emaranhar brilho e desejos
meus, seus, sejam eles adornos supérfluos
indispensáveis
E na rua em que eu passar, luzes
No último poste irei esperar,
com o ramalhete em mãos
colhido na fuga
no meu, seu, nosso jardim


Desirée Gomes

Salve