terça-feira, 8 de setembro de 2009

FOLHAS

Folhas






Desci as escadas me apoiando no corrimão, insônia e medo rodaram o quarto, rastros do passado, pavor do futuro.

Cheguei à cozinha com passos lentos, pessoas nessa hora da manhã eu dispenso.

Frutas, bolos, pães e uma jarra de suco. Queria encontrar a fome,mas até ela fugiu.

Houve um tempo que minha casa era festiva, almoços, alegrias, brilhos e músicas. Agora o único som que escuto vem da caixinha de música,onde a bailarina solitária dança para os deuses.

No quintal o pé de aroeira, sempre lindo e invencível. Espadas de São Jorge ao redor do jardim.Sinto o cheiro daquelas plantas sagradas,que me protegem.Um sorriso fraterno escapa da minha boca,minha feição muda,quero contemplar mais uma vez aquele lugar de pureza intocável.

Eu era uma criança ainda e tinha uns dez ou quinze vasinhos de plantas, todas elas tinham nomes e como boa conselheira, eu sentava e ficava horas a fio conversando com elas.

Amava a minha avenca, acho que Caio Fernando Abreu também. Para quem conhece sua obra certamente lembra do texto lindo que ele escreveu “Para uma avenca partindo”.

Voltando á minha ocupação infantil, que era aconselhar as plantas,desabafar e dar nomes á elas, acho que realizei bem meu papel. Elas sabiam tudo de mim,das alegrias ás tristezas,era uma espécie de psicanálise.

Desabafos imensos sentada na cadeirinha, e elas poderiam fazer o quê?Mesmo se não estivessem com vontade, tinha que me escutar, desde pequena eu já usava a cura pela fala.

Eu tenho certeza que plantas escutam a gente, muitas pessoas possuem teorias, portanto a minha é essa.

Desviei um pouco o foco do início do texto, mas era preciso falar da minha amizade com o verde e a seiva.

Casa festiva, mesa farta, tudo girava em torno das risadas, promessas de vida e explosões de entusiasmos.

Brinquedos espalhados pela sala e pela mesa da cozinha, porque eu fazia questão de mostrar o quebra-cabeça enorme, daqueles que levam dias para montar, lembram?Pois é, como filha única certamente eu tive.

Engraçado, mas nenhum brinquedo substituía minha obsessão pela televisão. Era como seu morasse lá dentro,meu mundo era um programa infantil.

Fecho os olhos e lembro como se fosse hoje,acho que não nasci do ventre da minha mãe, mas pulei da televisão para a sala da minha casa e não consegui voltar. Minha mãe com vergonha não quis me contar,mas um dia eu descubro..

Preciso ir, agora fome apareceu. Não quis revelar de imediato,mas é que ela brinca também neste jardim,ficou amiga das abelhinhas que ás vezes fazem piquenique debaixo da roseira e se lambuzam de mel.

A mesa já está posta, mamãe sempre muito rígida com horários, uma disciplina admirável.

Ainda tenho a manhã para buscas literárias, tarde com bolinho de chuva e as estrelas fiéis que piscam pra mim quando desejo delírios e palco.


JULIANA SFAIR

http://julianasfair.zip.net/

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Salve